Brasília, DF – A 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do Brasil, reuniu milhares de indígenas de diversas etnias em Brasília, um marco na luta pelos direitos dos povos originários. Realizado no Complexo Cultural Funarte, o evento, que se estendeu de 7 a 11 de abril, celebrou os 20 anos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e se concentrou em temas urgentes como a demarcação de terras, o aumento da violência contra comunidades indígenas e a contestada tese do Marco Temporal.
O ATL 2025 atraiu entre 6 e 8 mil participantes de aproximadamente 200 povos de todas as regiões do país. Lideranças indígenas, representantes de organizações da sociedade civil e apoiadores reuniram-se para “aldear a política”, como expressaram os organizadores, buscando influenciar as decisões do poder público e da sociedade em relação aos direitos indígenas.
Marco Temporal e Violência no Centro dos Debates
O Acampamento Terra Livre deste ano teve como um de seus eixos centrais a discussão sobre o Marco Temporal, tese jurídica que limita a demarcação de terras indígenas àquelas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha rejeitado essa tese em 2023, uma lei aprovada posteriormente no Congresso Nacional reabilitou o Marco Temporal, gerando grande apreensão e mobilização por parte dos povos indígenas.
Paralelamente à batalha legal em torno do Marco Temporal, o ATL denunciou o crescente aumento da violência contra as comunidades indígenas em todo o Brasil. Casos como o assassinato do indígena Pataxó Vitor Braz na Bahia, atribuído a pistoleiros contratados por fazendeiros, exemplificam a escalada de conflitos territoriais e a urgência de medidas de proteção. Dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) revelam um aumento alarmante de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio em territórios indígenas em 2023.
Marcha e Diversidade Cultural Marcam a Mobilização
A mobilização no Acampamento Terra Livre se fez notar através de duas grandes marchas pacíficas que percorreram as ruas de Brasília. Em 8 de abril foi realizada uma marcha de aproximadamente quatro quilômetros entre o antigo Complexo Funarte e a Esplanada dos Ministérios. Ostentando faixas como “Demarcação das Terras Indígenas Já!” e “Respeitem a Constituição Federal”, os manifestantes exigiram a demarcação imediata de seus territórios, um direito assegurado pela Constituição Federal e ameaçado pelo Marco Temporal. A marcha também cobrou investimentos em educação e saúde indígenas, ressaltando a importância da preservação cultural e da justiça intergeracional, com lideranças conduzindo seus filhos como símbolo de esperança.
Na segunda grande marcha, em 10 de abril, batizada de “A Resposta Somos Nós”, milhares de indígenas com os corpos pintados com jenipapo e urucum saíram do Complexo Cultural Íbero Americano em direção ao Congresso Nacional. Sob faixas como “COP30 na Amazônia, a resposta somos nós” e “Pelo clima e pela Amazônia”, os manifestantes reivindicaram o fim da era dos combustíveis fósseis, uma transição energética justa e o reconhecimento dos territórios tradicionais como barreira natural contra o desmatamento, propondo a demarcação de terras indígenas como política climática essencial. A APIB reforçou que o acesso ao gramado do Congresso Nacional durante esta segunda manifestação ocorreu de forma espontânea e pacífica, sem qualquer ato de violência, depredação ou rompimento de barreiras, demonstrando o caráter pacífico e democrático da mobilização.
A diversidade cultural foi uma marca registrada do Acampamento Terra Livre, visível em ambas as marchas. A variedade de línguas, costumes e representações visuais presentes no evento desconstruiu estereótipos e evidenciou a riqueza e complexidade do universo indígena brasileiro. O apoio de figuras como o Boi Caprichoso, grupo cultural tradicional da Amazônia, também sublinhou a amplitude do apoio à causa indígena.
Participação Indígena na COP30 e Perspectivas Futuras
Olhando para o futuro, o Acampamento Terra Livre também serviu como plataforma para projetar a participação indígena na 30ª Conferência das Partes (COP30) sobre mudanças climáticas, que será realizada em Belém em novembro de 2025. Durante o ATL, foi lançada a Comissão Internacional Indígena para a COP30, demonstrando o protagonismo dos povos originários na busca por soluções para a crise climática global. A presença do Presidente e da CEO da COP30 no evento sublinhou a importância de engajar as comunidades indígenas nesse debate crucial.
Lideranças de povos originários da América Latina e da Oceania, incluindo delegações da Austrália, Fiji, Papua-Nova Guiné e Panamá, também convergiram para Brasília para fortalecer a pressão por ações concretas contra a crise climática. A articulação entre indígenas da América Latina e Oceania também visou construir uma agenda climática unificada para as próximas conferências.
O Acampamento Terra Livre 2025 reuniu milhares de vozes diversas em defesa de seus direitos e de um futuro sustentável, e deixou um legado de resistência, mobilização e esperança para os povos originários e seus aliados.